Por Andréa Vulcanis
Recentes manchetes de jornais e revistas reafirmam e intensificam o significado estratégico da pauta ambiental como um dos elementos estruturantes do novo mercado global. Esse cenário aponta para o fato de que o uso inadequado da natureza e a degradação do meio ambiente no Brasil podem causar impactos devastadores ao agronegócio, que é o grande sustentáculo da economia nacional.
O relatório “O Estado das Florestas do Mundo 2016 (Sofo 2016), da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), aponta que o agronegócio gerou quase 70% do desmatamento na América Latina entre 2000 e 2010.
De outro lado, levantamento da FAO mostra que a vinculação de cumprimento das normas ambientais para o acesso a crédito rural evitou a perda de mais de 270 mil hectares de florestas que seriam desmatadas para aumentar a produção de carne bovina.
Na atualidade, setores econômicos brasileiros já sabem e advogam a tese de que não há necessidade de promover novos desmatamentos para ampliar a produção agropecuária, bem como os resultados do agronegócio no Brasil. Em verdade, pode-se produzir mais e melhor usando vastas áreas de pastagens degradadas, por exemplo, recuperando-as e tornando-as mais produtivas.
O dado mais impactante, amplamente explorado pelos meios de comunicação e que sacode o mundo neste momento, revela que o desmatamento na Amazônia brasileira atingiu uma máxima de 11 anos em 2019 e aumentou outros 34% nos cinco primeiros meses de 2020, de acordo com dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Essa realidade coloca o Brasil no cenário internacional como um player que ainda não incorporou a nova diplomacia ambiental que rege o mercado global, ou seja, não internalizou, ainda, a mensagem do mundo de agora: precisamos superar, com urgência, a dicotomia existente entre produção agrícola e fortalecimento dos serviços ecossistêmicos, simbiose que já deixou, há muito, o discurso meramente ambientalista para tornar-se estruturante na pauta da geopolítica mundial.
Neste contexto, é preciso atenção especial ao fato de que US$ 5 bilhões em investimentos estrangeiros estão automaticamente condicionados a avanços no combate ao desmatamento ilegal no Brasil. São fundos de investimentos europeus com regramento rígido sobre políticas ambientais e com exigências de selos sustentáveis que vêm ganhando cada vez mais apoio de outros agentes econômicos e da sociedade civil organizada.
Ao todo, R$ 16,2 trilhões, ligados a 230 fundos de investimentos estrangeiros, estão sob influência da opinião pública para que o dinheiro seja direcionado para países, empresas e iniciativas que sigam modelos sustentáveis e que respeitem as normas ambientais. É evidente que as maiores pressões recaem sobre o Brasil, que tem destaque na pauta do agronegócio em âmbito global e que, simultaneamente, é um país megabiodiverso.
No caso do nosso Cerrado, lócus do agronegócio brasileiro e bioma estratégico para a pauta da segurança hídrica, é imprescindível que todos estejamos atentos, na medida em que foram registrados alertas de desmatamento que totalizam 4.744,3 quilômetros quadrados entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020. Os números, cada vez mais preocupantes, entram no radar dos fundos, uma vez que muitos deles têm em seus portfólios negociadores de grãos e de proteína animal, parcelas importantes do agronegócio do Centro-Oeste brasileiro.
Além do investimento trilionário que pode nunca chegar por conta da incapacidade de compreensão de muitos gestores e empresários sobre o caráter estratégico da pauta ambiental no Brasil, ao menos US$ 5 bilhões já aplicados na economia brasileira correm o risco de serem retirados, o chamado desinvestimento, no curto prazo, caso as ações de desmatamento não sejam severamente contidas e revertidas.
Entidades civis dos EUA e da Europa, com apoio da União Europeia, negociam a ampliação de normas e de exigências no que se refere aos produtos brasileiros, que já são alvo de boicote em países como Alemanha, Itália e Reino Unido, onde a conscientização dos consumidores foi abraçada pelos varejistas.
Na Alemanha, por exemplo, uma petição com 300 mil assinaturas pede o boicote dos supermercados locais a produtos brasileiros.
Tal boicote já aconteceu no Brasil, em 2006, quando governos e grupos econômicos se comprometeram a não comprar soja produzida em regiões de desmatamento na Amazônia. A chamada Moratória da Soja atingiu 89 municípios brasileiros, que foram obrigados a agir: em 2018, o desmatamento nestes locais havia caído 85%.
Moratórias como esta podem chegar ao Cerrado, bioma com uma alta biodiversidade, mas extremamente ameaçado. As consequências seriam desastrosas para a economia goiana: apenas em maio de 2020, o agronegócio representou mais de 83% das exportações do Estado, um montante de US$ 683 milhões. Os complexos soja e carne, os mais visados pelos consumidores conscientes, representam cerca de 80% deste total.
Além disso, Goiás diversifica a cartela de compradores e de produtos ofertados e alcança mercados mais exigentes e competitivos na Ásia com café, produtos lácteos e açúcar.
A força do agronegócio em Goiás é um dos maiores responsáveis pela segurança econômica do Estado durante a pandemia de Covid-19, que paralisou diversos setores econômicos e reduziu drasticamente outros. As exportações cresceram mais de 16% no comparativo com o acumulado do mesmo período em 2019 e a balança comercial goiana foi positiva em quase R$ 7 bilhões de janeiro a maio.
Exemplo em rigor sanitário, Goiás agora precisa avançar no quesito ambiental dos meios de produção para que não perca espaço no concerto das nações e, inclusive, avance na diversificação e valoração de seus produtos.
Diante desse cenário, considerando que Goiás tem sua base econômica no agronegócio, é preciso ressignificar a estratégia de governança do desenvolvimento sustentável, condição sine qua non para que o Estado possa enfrentar não apenas problemas crescentes de segurança hídrica mas, além disso, de comprometimento da sua agenda econômica. Dessa feita, torna-se imprescindível proteger o agronegócio de base sustentável e nos desvincularmos dessa imagem internacional negativa que vem sendo atribuída ao Brasil.
É urgente, urgentíssimo, para defender o agronegócio sustentável e pujante de Goiás, garantir que cessem por aqui os desmatamentos ilegais, tendo em vista, sobretudo, agregar valor ao produto sustentável, um nicho crescente no mercado mundial de alimentos.
O Governo do Estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), tem atuado com firmeza no sentido de alinhar nosso estado às mais modernas políticas globais do agronegócio e do desenvolvimento sustentável, palavras que estão, cada vez mais, intrinsicamente conectadas entre si. O Estado deve ser o garantidor de que não teremos produtos oriundos do agronegócio produzidos com base na degradação ambiental.
A ação recentemente empreendida pelo Governo de Goiás para conter desmatamentos ilegais no território Kalunga, além de proteger o Cerrado e a comunidade tradicional quilombola, preserva, também, o negócio agrícola, separando o joio do trigo, entre os que produzem cumprindo as leis ambientais e aqueles que insistem em violá-las.
Naquele episódio, fomos rigorosos na aplicação de penalidades aos proprietários e responsáveis pelo desmatamento sem licença de mais de 500 hectares de área virgem de Cerrado no território Kalunga, em Cavalcante. Os valores chegaram a R$ 5,6 milhões. Também exigimos o início imediato da recuperação da vegetação nativa da área e queremos o bloqueio de bens dos envolvidos para garantir que o dano ambiental seja recuperado e as multas efetivamente pagas.
A imensa maioria da produção agro em Goiás ocorre em base sustentável, com respeito à legislação e às normas ambientais. Por isso, aqueles que, eventualmente, insistem em não fazê-lo, precisam ter suas condutas coibidas.
A tolerância contra o crime ambiental é zero em Goiás e o governador Ronaldo Caiado tem sido claro nesta missão. Ao proteger o meio ambiente, o Estado também blinda sua economia, especialmente o agronegócio, o principal gerador de renda.
Por isso, a Semad age em duas vertentes: fiscalização e aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão ambiental, como o licenciamento e as outorgas. Garantimos, com isso, que seja fácil produzir em Goiás por meio de acesso racional, sem burocracia, às licenças, com a clara contrapartida da sustentabilidade, que precisa ser a base do desenvolvimento. Vamos, todos, nos irmanar neste propósito essencial.